Copyright © Palavra-poeta
Design by Dzignine
22 de dezembro de 2019

Pele com pele



Pele com pele,
poema,
Seus lábios de mel
e o doce aroma que é seu,
o céu da sua boca,
estrela,
Cai do céu e incendeia
O meu corpo, sem roupa,
tapete, carpete, toalha, meia,
Peças jogadas,
no chão, colchão, areia
Duro como pedra,
Mole como pluma,
Entregue
como... só você consegue.
Torpe,
cruel,
me provoca e me arranha,
cê me bate, eu apanho,
cê cospe, eu engulo
e o seu toque me percorre,
seus dedos já me conhecem
e a sua boca não diz nada,
já diz tudo
Arrepio mudo,
Grito,
Peço arrego,
aconchego,
afeto, tato
cê me abraça, estremeço,
cê me ama, não me esqueço
E cê dentro de mim,
eu dentro docê.
Doce,
Suave,
Forte
ou violento
é o nosso ato de amor, nego,
é sexo,
vem sem moderação e sem receio.
17 de outubro de 2019

O sangue que corre nas minhas veias


Cuidado!
É o que vão dizer,
Disseram,
Ainda é dito:
Perigo.

Cuidado,
Sai dessa!

Tranquilo!
Já me conformei com o aviso,
Estou vacinado e fui circunscrito

Ao sangue que corre nas minhas veias,
À sina que se fez escrita,
Aos dias contados que, supõe-se,
Delimitam os traços da minha vida

Cuidado!
Tranquilo!
Cuidado!
Tranquilo!
Olá! Adeus!

Disseram:
- É dito! –
Fez-se sina de morte em vida,
Companhia maldita,
Viram-se os olhos, erguem-se as sobrancelhas:
Cuidado!
Coitado!
Fez-se resultado em vida da sina de todo viado:
Companhia maldita,
Justiça divina

- Cuidado!
Mas antes...
- Perigo!
... me ouça:
- Cuidado!
Sou mais do que...
- Sai dessa!
... o sangue que corre em minhas veias

Nem coitado,
Nem maldito,
Sem “Cuidado!”,
Deixa disso:
Não há perigo
Tem desmedido o seu receio
O sangue que corre em minhas veias



Só irá penetrar de um jeito:
Fazendo gozar pra fora, esporrar, leitar
O excesso do seu preconceito

Cuidado!
É o que vou dizer,
Já disse,
Ainda digo:
Perigo!

Cuidado!
Sai dessa!

Tranquilo!
Num mundo sem sangue exposto,
Um pensamento tão rústico
Só tem um destino:
Deposto,
Extinto.

Está com seus dias contados,
Cuidado!

20 de julho de 2019

Catarse de Natal



"Ao contrário dos outros Natais, eu resolvi fumar um baseado antes da ceia. Talvez mais de um. Ou três. As coisas ficaram um pouco embaçadas. Por isso, eu não sei dizer muito bem quando as coisas começaram a esquentar: talvez tudo tenha começado quando a Nat soltou que a Ana era gata demais e o Rô fez uma cara maliciosa que não agradou nem um pouco a minha amiga; ou talvez quando a Fernanda lançou que a solução para o Brasil seria a intervenção militar, logo depois de falar que o funcionalismo público no país era uma “máquina de sustentar vagabundos”; pode ser que tenha sido quando a minha mãe “acidentalmente” derrubou vinho no vestido branco da Fernanda. Mas de uma coisa eu tenho certeza: o negócio pegou fogo mesmo quando o Juninho perguntou onde é que eu tinha “pegado AIDS”. Nessa hora todo mundo ficou calado. E eu achando que tinha me livrado da tradicional guerra de Natal...

Eu senti uma coisa estranha na hora. Não sei bem o porquê. Talvez por causa do baseado, pela presença da Ana, pela raiva que eu ainda tinha guardada pelas coisas que o Juninho tinha me falado ou talvez por tudo isso junto. Naquele momento me veio um déja vu que não era bem um déja vu porque eu nunca tinha sentido isso antes. Eu entendi que nada ia ser do mesmo jeito, mas que de certa maneira tudo ia continuar igual. É estranho, eu sei. O Juninho continuaria implicando comigo em todo Natal, porque eu sou aquilo que ele quer desesperadamente extirpar de dentro de si. A minha vó vai continuar trazendo salpicão. O Rô vai trazer as suas namoradas e a gente vai se envergonhar por elas presenciarem essas brigas de família. Mas as coisas não seriam as mesmas. A Ana estava ali, cara. Cara... Isso me lembra o Saulo. Outros Saulos vão aparecer. Pessoas que querem conversar comigo porque estão no mesmo barco que eu. E eu vou beber os meus remédios, todos os dias. Vou ter que me preocupar com a minha saúde de um jeito que eu nunca tinha me preocupado antes. Eu vou ter que sair do armário e declarar a minha sorologia para todo e qualquer cara com quem eu queira me relacionar. Uns vão quebrar a minha cara. Outros vão me surpreender. Outros vão simplesmente sumir. E tudo bem. Eu senti uma paz tão grande naquele momento, me deu uma vontade enorme de abraçar o Juninho e foi o que eu fiz. Comecei a dar uma gargalhada muito gostosa porque ele fez uma cara tão assustada e isso foi muito engraçado. A Ana disse que todo mundo ficou me olhando, mas na minha cabeça estava todo mundo rindo comigo. Eu acho que eu vou chamar isso de catarse do Natal. Uma coisa bem Clarice Lispector.

Depois do abraço, o Juninho ficou muito, muito estranho. Acho que ele precisava que eu gritasse com ele. Ele precisava que eu me sentisse pra baixo. A vitória dele era a minha tristeza. Mas dessa vez eu não fiquei triste. Eu não vou mais ficar triste por causa do Juninho. Eu não vou mais ficar triste por causa do que as outras pessoas vão pensar.

Vou pensar positivo. É isso. Positivo.
23 de maio de 2019

Silêncios




Há tempos perdi a sutileza,
há tempos perdi a perícia
das palavras tecer a proeza
de captar quem o coração cativa

O desejo é o meu maior obstáculo:
a sua boca faz dele o meu susserano,
o seu corpo faz de mim dele vassalo.
Ver-te nu, em pelo, o desejo diz, sussurrando,
E meu desejo de saciar o desejo... eis aqui agora um escravo

Perco as palavras,
Troco as sílabas,
Erro as letras,
Confundo as rimas,
Sofro de silêncios,
Eu, logo eu, cantor sem fim de poesias

Há tempos - há de se dizer porém -
que o amor me virou o rosto,
revirado em desgosto,
não me dá um vintém.
Há tempos, eu assumo:
não amo ninguém.
E, assim sisudo,
de tempos em tempos,
sem por que, nem por quem
de morrer de amores procuro,
faz-se a semente,
cai-se o fruto,
não tão verde, tampouco maduro,
Pode-se dizer,
Qualquer um argumentar,
Por que lágrimas por palavras
sem fé delas o amor despertar?


6 de março de 2019

Ensinaram-nos a definição errada de amor



Crescer não é fácil. Amar também não. É o que dizem. E o que é o amor, afinal de contas? Todo mundo tem suas próprias definições, mas em uma coisa todos concordam: é compartilhar bons momentos com alguém que é especial. Todo o resto é acessório. Queremos a segurança de que esses momentos se repitam e aí criamos contratos, modelos e histórias. Mas não é o contrato, tampouco o modelo e nem a história. Ele é o momento, dentro do momento. O amor é quando você me olha nos olhos e congela o tempo. Quando ele passa, se torna saudade e quando a recordação é maior que a vontade de voltar novamente, o amor se torna lembrança. Quando o anseio é repeti-lo, transforma-se em expectativa e quando o medo de não repetir sufoca, o amor vira apego. E o apego é o começo do final do amor. Porque amor não vive no passado e nem é garantia, no futuro. Ele está ali, apenas no momento.

Sendo assim, não posso dizer que o amo se não estou te amando, pois não é amor o que eu sinto. É saudade de você. Tampouco posso afirmar que te amo quando sonho um futuro ao seu lado, pois expectativa não é amor. Não é amor a promessa (e a ação) de estar sempre junto a você. Isso é lealdade, quando ainda há afeto, e apego, quando o compromisso é maior que o amor. Medo da solidão, no segundo caso. A fidelidade não é amor, porque o amor não é sexo, apesar de sexo, às vezes, ser parte do ato do amor. E a fidelidade enquanto promessa é infrutífera. Lembre-se: o amor não é garantia. Sendo assim, o amor não pode ser sinônimo de dor, pois quando o amor acontece (e o amor só acontece no agora) ele não dá espaço para outra coisa a não ser ele mesmo!

Essa minha definição de amor é tenebrosa, eu sei, porque ela retira do sentimento toda a obrigação de perenidade. Todas as inseguranças e regras deixam de ser amor. Mas o amor é assim, efêmero, mas gratificante. Tudo que eu já disse sobre o amor tornou-se, então, mentira. Mas não se preocupe, tudo que nos ensinaram sobre amor estava errado. É triste ver que muitas pessoas ainda carregam a potencialidade de amar, mas são sufocadas pelos sentimentos que rodeiam o amor. O amor está além das definições e ele aceita tudo, menos que não seja recíproco. O orgulho não, o ciúme não, a insegurança não, o amor sim.

Eu não posso e nem devo prometer nada, mas já prometi demais. Não posso e nem devo esperar, mas já esperei. E não posso garantir que não serei afetado por tudo que cerca o amor. O mais certo é que eu seja. Peço paciência. Alguns esperam mais do amor do que outros. Mas quando estou nos seus braços, o tempo ainda congela. Vejo que ainda te amo. Nada mais importa.



Publicado originalmente em © obvious: http://obviousmag.org/amoral/2016/02/ensinaram-nos-a-definicao-errada-de-amor.html#ixzz5hQyHtIyw