Uma coisa não me entra na cabeça:
que o amor deva ser uma entrada pela porta principal com uma saída rápida pela
porta dos fundos assim que a casa começa a ficar bagunçada. Será mesmo
masoquismo sentar no sofá da sala e esperar a poeira abaixar? Óbvio, tudo tem
seus limites. Se o dono da casa quiser enfiar a poeira goela abaixo, não há
cristão que aguente. Pior ainda se ele quiser que você limpe a casa dele. Mas acredito
que o amor seja um pouco de suportar. Toda casa tem os seus tempos ruins: seja
um inverno, onde nem mesmo a sua aconchegante lareira é capaz de esquentar;
seja o verão chuvoso, onde nem mesmo as orações a São Pedro fazem com que a
água pare de descer. Sair pela porta dos fundos nesses momentos é fácil. Mas há
quem se esquece de que um abraço não acaba com o frio, mas com certeza o
ameniza. E água, quando tem de sair, é melhor que saia no suave aconchego de
uma intimidade bem construída. E intimidade não se constrói numa entrada de
cinco minutos, com paciência apenas para o café. Intimidade surge quando a
companhia se faz presente mesmo após a porta da sala emperrar, o forno do fogão
estragar e o botijão perder o gás. E principalmente, quando o som do salão de
festas não funcionar mais e o dono da casa descobrir que, nestes momentos,
pode-se contar com o suave aconchego de uma conversa no sofá desgastado da sala
de estar.
Sei lá, pode ser babaquice,
pieguice, bobeira, romantismo barato, excesso de comédias românticas e
projeções neuróticas. Pode ser coisa de outro século. Sei lá. Mas, para mim,
amor é entrada na porta principal. A pré-entrada não importa. Pode ter sido uma
conversa de bar, uma cantada sem graça no ponto de ônibus, uma cutucada no
Facebook, um ‘sim’ no Tinder. Sem moralismos. O que importa é uma boa estadia
na casa. Apaixonar-se pelos detalhes. Ser cativado pelas minúcias. E não se
desmotivar com os contratempos. A janela, que levou tanto tempo para que você
aprendesse a abrir do jeito certo. Os talheres, que foram sendo tirados da
gaveta, um a um, e divididos. Os casacos, que ele tinha tanto ciúme de
compartilhar, mas que se ajustaram tão bem a você. A cama, que parece cada dia
mais macia. Os lençóis preferidos você já sabe de cor. Mas isso não significa
que você não possa surpreender com novos. O tão temido sótão, que mostrou um
surpreendente aconchego nos momentos necessários. Também lugar dos álbuns de
recordação, museus sempre engraçados de serem remexidos. No final, o orgulho e
a satisfação de saber que você ajudou e ajuda a abrir a janela, que não se
importa nem um pouco em dividir os talheres, que ama os seus casacos, que se
satisfaz plenamente com a cama e que respeita o sótão faz com que a vontade de
sair pela porta dos fundos desapareça misteriosamente. Ou talvez nem tão
misteriosamente assim.
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