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22 de janeiro de 2017

A lista de poesias


- Tudo se resume a um pouco de fome. Eu sou honesto: como muito. E aqueles que tem refeições contadas preferem me deixar de dieta. Tem até uma palavra pra isso.
            - Promíscuo?
            - Não sou muito bom em etimologia, tampouco tenho um milhão de verbetes na minha cabeça, mas essa palavra não me soa bem aos ouvidos.
            - Eu entendo. Já caiu no mau uso.
            - Sou hedonista, não nego. Aprecio o toque, suave, como uma seda, de dedos no meu corpo, que se arrepia e estremece. Todo. Pura poesia. Já viu dois corpos nus juntos? Caramba, tem coisa mais bonita?
            O outro bebeu o vinho. Parecia encabulado. Pegou o cardápio e fingiu olhar as opções de comida.
            - É bonito mesmo.
            - E eu não sei? – suspirou.
            O outro olhou com mais atenção, por cima do cardápio. Vestia uma camisa branca, abotoada até o peito, cujos pequenos pelos brotavam da parte desnuda. A barba preta contrastava com os olhos esverdeados, que agora encaravam algum ponto longínquo, e quase escondia a boca de lábios pequenos, mas apetitosos. Sorriu e os dentes brancos brilharam, refletindo as luzes dos postes daquela rua de pedra sabão. O hedonista continuou o suspiro. Talvez porque estava trajando uma roupa muito formal para aquela ocasião: um blazer preto e uma gravata, da mesma cor. A camisa social, azul clara, estava perfeitamente passada, sem um mínimo resquício de dobra. A calça social preta cobria o sapato engraxado durante vários minutos. Percebeu o desconforto da companhia e afrouxou a gravata.
            - E o que devemos pedir?
            - Carne!
            O hedonista afirmou, com convicção. Depois parou. Repensou.
            - Você come carne, não é? Ultimamente todo mundo é vegetariano. – sorriu.
            Foi pegar o cardápio e, sem querer, encostou na mão do outro. Recuou, mas os dedos dele o puxaram. Repousou a mão em sua mão e olhou para o chão, instintivamente.
            - Não que eu tenha algo contra quem seja vegetariano, que fique bem claro.
            O outro soltou a mão e arrastou a cadeira para o lado. Estavam mais próximos.
            - Algumas pessoas falam muito quando estão nervosas. – olhou para o lado, encarando-o nos olhos. – É o seu caso?
            - Talvez...
            - Concordo. Tudo se resume a um pouco de fome. Eu tenho uma lista, em casa. Sempre que aprecio, digamos, uma nova comida, eu coloco. Não porque eu quero aumentar a lista, mas porque sou um pouco obsessivo de perder o controle e o número ou esquecer. Porque são experiências, mas acima de tudo, experiências com outras pessoas, não é? – não esperou o hedonista responder. – A primeira vez que eu dei por mim que a lista estava grande eu fiquei um pouco... Culpado. E chateado, pra falar a verdade. Afinal tudo aquilo que falavam se tornou verdade. Não passamos de sem vergonhas que só pensam naquilo.
            Pegou a taça de vinho. Tomou um ou dois goles. As suas mãos voltaram a aquecer as mãos do hedonista. Este nem piscava.
            - A lista se mostrou uma boa ideia, no final. Eu tinha todos os nomes, em ordem cronológica e linear. E sabe o que eu percebi? – era uma pergunta retórica. – Todas aquelas pessoas tiveram um pouco de mim e eu tive um pouco delas. Mas isso não banaliza o ato. É, como você disse, poesia. As melhores são aquelas que te tocam. Há as clássicas, que deliciam pela comodidade de percorrer os mesmos caminhos e, mesmo assim, provocar os mesmos arrepios. Há as eróticas, carnais, que arrepiam todo o corpo pela agressividade e despudor. Algumas são inteligentes e exercitam o cérebro. E há aquelas que saciam o corpo, a mente, os olhos e o coração. Talvez por isso, meu caro, falamos da nossa vontade de “fazer amor”.
            O hedonista se arrepiou. As mãos dele se desvencilharam das mãos do outro e procuraram por alguma parte do corpo que estivesse desnuda. Encontrou uma brecha na camisa e subiu as mãos pelo dorso.
            - Quem escreve, escreve mil e uma poesias e a quantidade de poesias não define um poeta. Alguns saciam-se com apenas uma. Outros precisam de muitas. Quem somos nós para julgar as poesias dos outros?
            - Pois é. Eu não rejeitaria uma nova poesia.
            - Que bom, meu caro. A caneta está ansiosa para mais um verso nas estrofes da minha lista.




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