- Tudo se resume a um pouco de fome. Eu sou honesto: como
muito. E aqueles que tem refeições contadas preferem me deixar de dieta. Tem
até uma palavra pra isso.
-
Promíscuo?
- Não sou
muito bom em etimologia, tampouco tenho um milhão de verbetes na minha cabeça,
mas essa palavra não me soa bem aos ouvidos.
- Eu entendo.
Já caiu no mau uso.
- Sou
hedonista, não nego. Aprecio o toque, suave, como uma seda, de dedos no meu
corpo, que se arrepia e estremece. Todo. Pura poesia. Já viu dois corpos nus
juntos? Caramba, tem coisa mais bonita?
O outro
bebeu o vinho. Parecia encabulado. Pegou o cardápio e fingiu olhar as opções de
comida.
- É bonito
mesmo.
- E eu não
sei? – suspirou.
O outro
olhou com mais atenção, por cima do cardápio. Vestia uma camisa branca,
abotoada até o peito, cujos pequenos pelos brotavam da parte desnuda. A barba
preta contrastava com os olhos esverdeados, que agora encaravam algum ponto
longínquo, e quase escondia a boca de lábios pequenos, mas apetitosos. Sorriu e
os dentes brancos brilharam, refletindo as luzes dos postes daquela rua de
pedra sabão. O hedonista continuou o suspiro. Talvez porque estava trajando uma
roupa muito formal para aquela ocasião: um blazer preto e uma gravata, da mesma
cor. A camisa social, azul clara, estava perfeitamente passada, sem um mínimo
resquício de dobra. A calça social preta cobria o sapato engraxado durante
vários minutos. Percebeu o desconforto da companhia e afrouxou a gravata.
- E o que
devemos pedir?
- Carne!
O hedonista
afirmou, com convicção. Depois parou. Repensou.
- Você come
carne, não é? Ultimamente todo mundo é vegetariano. – sorriu.
Foi pegar o
cardápio e, sem querer, encostou na mão do outro. Recuou, mas os dedos dele o
puxaram. Repousou a mão em sua mão e olhou para o chão, instintivamente.
- Não que
eu tenha algo contra quem seja vegetariano, que fique bem claro.
O outro
soltou a mão e arrastou a cadeira para o lado. Estavam mais próximos.
- Algumas
pessoas falam muito quando estão nervosas. – olhou para o lado, encarando-o nos
olhos. – É o seu caso?
- Talvez...
- Concordo.
Tudo se resume a um pouco de fome. Eu tenho uma lista, em casa. Sempre que
aprecio, digamos, uma nova comida, eu coloco. Não porque eu quero aumentar a
lista, mas porque sou um pouco obsessivo de perder o controle e o número ou
esquecer. Porque são experiências, mas acima de tudo, experiências com outras
pessoas, não é? – não esperou o hedonista responder. – A primeira vez que eu
dei por mim que a lista estava grande eu fiquei um pouco... Culpado. E
chateado, pra falar a verdade. Afinal tudo aquilo que falavam se tornou
verdade. Não passamos de sem vergonhas que só pensam naquilo.
Pegou a
taça de vinho. Tomou um ou dois goles. As suas mãos voltaram a aquecer as mãos
do hedonista. Este nem piscava.
- A lista
se mostrou uma boa ideia, no final. Eu tinha todos os nomes, em ordem
cronológica e linear. E sabe o que eu percebi? – era uma pergunta retórica. –
Todas aquelas pessoas tiveram um pouco de mim e eu tive um pouco delas. Mas
isso não banaliza o ato. É, como você disse, poesia. As melhores são aquelas
que te tocam. Há as clássicas, que deliciam pela comodidade de percorrer os
mesmos caminhos e, mesmo assim, provocar os mesmos arrepios. Há as eróticas,
carnais, que arrepiam todo o corpo pela agressividade e despudor. Algumas são
inteligentes e exercitam o cérebro. E há aquelas que saciam o corpo, a mente,
os olhos e o coração. Talvez por isso, meu caro, falamos da nossa vontade de “fazer
amor”.
O hedonista
se arrepiou. As mãos dele se desvencilharam das mãos do outro e procuraram por
alguma parte do corpo que estivesse desnuda. Encontrou uma brecha na camisa e
subiu as mãos pelo dorso.
- Quem
escreve, escreve mil e uma poesias e a quantidade de poesias não define um
poeta. Alguns saciam-se com apenas uma. Outros precisam de muitas. Quem somos
nós para julgar as poesias dos outros?
- Pois é.
Eu não rejeitaria uma nova poesia.
- Que bom,
meu caro. A caneta está ansiosa para mais um verso nas estrofes da minha lista.
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