Eu o aceitei com todos os seus defeitos, com todas as suas
manias, com todas as suas desorganizações. Achei que, com o tempo, seria
possível mudá-lo, moldá-lo do jeito que eu queria. Comecei a pesquisar sobre o
amor já que nunca havia parado pra pensar muito sobre o assunto. Me vi em meio
a um impasse... Todos os livros que Rafael tanto gostava, todos os romances de
amor, eram livros sobre o amor entre uma mulher e um homem. Então comecei a ver
o quanto a minha lógica havia me deixado alienado, preso em um mundo só meu...
Comecei a lembrar da bibliotecária e seus príncipes imaginários, lembrei de
minha mãe abandonada por meu pai, lembrei dos namorados na praça, menino e
menina. Pense o que quiser, mas sempre foi muito natural em mim que reparasse
mais em garotos do que garotas e, como não ia muito adiante, nunca havia parada
para pensar nisso. Aliás, nada que se referisse a amor me era convidativo.
Nesse momento, em minha mente, uma estante foi desmoronada e
minha mente se expandiu de tal forma que comecei a me sentir confuso. Não sabia
como categorizar o que estava sentindo. Estava pisando em terreno pouco
explorado. Estava em um terreno que não se pode explorar com a mente, um terreno
que simplesmente não se entende.
Ele queria um relacionamento, queria algo sério. Eu não
sabia como deveria ser um relacionamento, não tinha padrões e, mesmo assim,
aceitei, mas ele deveria ditar as regras já que não sabia como lidar com isso.
Ele queria que as coisas fossem do “jeito adequado”, queria um namoro às
claras, sem mistérios e, para isso, deveria pedir a permissão de minha mãe.
Hesitei um pouco, mas aceitei. Minha mãe sempre dizia que tudo que ela queria
era que eu me sentisse bem comigo mesmo e que fosse feliz. Eu não sabia muito
sobre a felicidade, mas acho que era o que eu estava sentindo. Até hoje tenho
dúvidas, mas aceitei.
Como tudo que vinha acontecendo o que veio a ocorrer não
ocorreu do jeito que eu estava prevendo. A lógica sempre havia feito com que eu
tivesse uma noção exata das conseqüências de todas as minhas ações, mas, ao
resolver amar, eu havia deixado a minha lógica de lado e comecei a intuir e
intuição é algo ilógico. Mas não posso reclamar. Ela funciona bem.
Minha mãe estranhou quando cheguei junto com o Rafael, pois
nunca havia levado ninguém para a minha casa. Não tinha muitos amigos e, mesmo
os que tinha, preferia encontrá-los em outro lugar à minha casa. Mais assustada
ficou quando Rafael perguntou se ela aceitava de boa vontade o nosso namoro.
Não estava prevendo esse susto inicial, mas intuía que iria correr tudo bem e,
como já disse, a intuição não falha. Foi um dos momentos mais emotivos da minha
vida e não me importei de sentir tantas coisas. Minha mãe nos abraçou e desejou
felicidades e disse que me amava de qualquer modo.
Depois disso passeávamos todos os dias, sentávamos em frente
à igreja e sonhávamos com o futuro. Pela primeira vez eu pensava no dia de
amanhã, no dia depois de amanhã, em anos depois de amanhã. Os dias passavam
muito rápido, eu perdia cada vez mais a noção do tempo e as estantes cada vez
mais desmoronando, os livros esparramados no chão e eu nem me preocupava em
consertar as estantes, em arrumar novamente os livros. Fui me apegando cada vez
mais a ele, fui começando a entender a lógica dos sentimentos, começando a
gostar de viver e sentir. Um dia acordei e senti preguiça de ir à aula. Senti
raiva dos deveres e dos professores. Queria tempo para ele, só para ele, só
para eu e ele.
Comecei a me padronizar, ficar muito parecido com as outras
pessoas. Já não conseguia dividir a razão e a emoção e vivia em meio as duas,
perdido. Acho que fui perdendo parte da minha graça, fui começando a depender
muito do Rafael e ele começou a perceber isso. Rafael era muito emotivo, me
lembrava muito a bibliotecária, e comecei a perceber que ele gostava de mim
justamente por eu equilibrar o seu lado emotivo em excesso e, ao me ver cada
vez mais agindo por emoção, começou a se afastar. Já não tinha tempo para mim e
isso me deixava triste. O esquisito é que eu sabia o que deveria fazer, mas não
o fazia. Sabia que devia sair desse relacionamento, pois ele me deixaria em
cacos se eu resolvesse continuar. Eu sabia, mas eu não conseguia terminar, pois
eu me lembrava de tudo de bom que passamos juntos.
E o dia que eu mais temia chegou. Ele sentou e conversou
comigo, falou tudo que eu já sabia, tudo que eu menos queria ouvir. Fez-me
sentir tudo que eu mais temia e que eu mais queria para que eu me livrasse
dele, para que eu voltasse à razão.
Mas, aqui estou... As estantes já estão totalmente
quebradas. Já não há pedra sobre pedra ou madeira sobre madeira. Perdi a razão,
deixei o sentimento me invadir. Não o culpo. Eu era um garoto maduro e já
responsável por minhas ações. Para falar a verdade, não sei nem se me
arrependo. Esse relacionamento me fez perder as bases da minha estrutura, mas,
quem sabe a minha estrutura não estava com as bases certas?
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