Tudo começou por um acaso. Esbarraram-se na rua e, como eram
educados, ambos pediram desculpas. Riram da sincronia. “Não deixou cair nada?”,
perguntou um deles. “Não, acho que não”, disse o outro apalpando os bolsos do
paletó. Despediram-se, foram embora pelo mesmo caminho. “Aqui, parceiro, não é
por nada não, mas por acaso está me seguindo?”. “Que isso, meu camarada, tô
indo pro trampo!”
Caminharam juntos, meio desconfiados um do outro. “Começo
hoje”, disse o que ‘ia trampar’, puxando papo. “Não brinca? Eu também! Só falta
dizer que vai trampar naquele mercado novo...” O camarada trabalhador para
boquiaberto. “Somos companheiros de trabalho?” Seguem os dois, dando risada do
acaso múltiplo.
Os dois trabalhando no caixa. Quando o movimento tava fraco
dava pros dois conversarem. Alan era o nome do “camarada que ia trampar”, o
outro era o Luís. “Mas pode me chamar de Luisinho”, disse, num desses papos
cruzados.
Alan era o mais novo, jeito e palavreado de malandro,
tatuagem de “Amor só de mãe” e barba por fazer. Reclamava do governo, dessa
“maldita cidade solitária” e da falta de grana.
Luisinho era o mais velho, mais ressabiado e esperto também.
Gabava-se de nunca ter sido passado pra trás. Era poeta nas horas vagas e isso
lhe dava uma graninha por fora.
Os dois eram viciados em Nintendinho. “Sério? Achei que
ninguém mais curtia!”, era o que o Luisinho pensava. “Que isso, brother.
Nintendinho é meu vício! Qualquer dia passa lá em casa que eu tenho umas fitas
da hora”.
E assim descobriram que curtiam o cabelo da princesinha,
davam risadas das tartarugas e adoravam zombar do Bowser. Viraram companheiros.
O aluguel do Luisinho tava caro, o apê do Alan era grande: resolveram morar
juntos.
Daí começaram as brigas. Alan era folgado, Luisinho espaçoso
e assim os defeitos iam aparecendo. O Luisinho, dia desses, resolveu matar a
saudade da “loira” e depois do trampo foi pra um bar. O Alan não foi: tava
quase matando o chefão da fita nova que compraram. Luisinha exagerou na bebida
e chegou tarde, fazendo aquela bagunça. Alan ainda tava acordado, assistindo
TV. E mesmo estando pra lá de Bagdá o Luisinho estranhou o filme esquisito.
“Que isso, camarada? Isso não é homem beijando homem?” Alan desliga a TV, cara
vermelha, tenta disfarçar falando que é mulher vestida de homem. “Filme
americano é assim mesmo!”
Luisinho senta no sofá, pede pra ligar, nunca viu homem
beijar homem, coisa mais esquisita. Alan liga, vê o amigo concentrado e
confessa que já experimentou. Luisinho, mais pra lá do que pra cá, dá aquele
amasso no amigo.
No outro dia, os dois acordam abraçados. No trabalho os dois
não falam uma palavra um com o outro. Chegam em casa e repetem o “ato” e o
“ato” vai virando rotina.
Luisinho confessa que tá xonado, nunca sentiu algo assim.
Alan diz que já olhava o amigo com interesse já faz algum tempo.
Os dois se demitem mas continuam juntos. O Luisinho vira
poeta das “horas ocupadas”, pois as horas vagas são só pro seu “chamego”. Alan
entra na faculdade, quer ajudar a criar outros Marios, tartarugas e princesas
pra unir mais viciados em videogame. Agora faz a barba e tem um moicano
vermelho (só pra ser seu Yoshi, camarada, diz ele pro Luisinho) e virou muso
oficial do poeta.
E assim, por acaso, saem os dois de mãos dadas. Andam no
shopping da ex “cidade solitária”, pra onde foram pra fugir do preconceito e
dos olhares furtivos das pessoas da cidade onde os dois nasceram.
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