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20 de julho de 2012

Reviravoltas - Parte II




Ele levou um pequeno susto. Pequeno, um leve tremor. Pessoas como ele não se permitiam sentir medo, nem levar sustos. Ele estava sempre preparado para tudo. Ou fingia estar. Ele me olhou nos olhos. Eu via o arrependimento. Naquele momento, com nós dois sozinhos ele poderia pedir perdão. Mas eu não poderia permitir. Eu fui mais rápido.
- Eu te entendo, cara! Você teve que fazer aquilo. Com certeza você foi descoberto não é?
Ele assentiu, cabisbaixo.
- Eu lhe devo desculpas. Prometo que serei mais cuidadoso. Isso, claro, se você ainda me quiser...
E por que ele haveria de não querer? Eu seria o único que estaria disposto a me entregar a ele, sem ninguém saber. Eu seria o único que satisfaria os seus desejos sem atrapalhar a sua imagem, a sua “reputação”. Mas só isso não era suficiente. Ele precisava se apaixonar por mim. Desesperadamente.
Ele sorriu. Ele me queria. E, num dos becos daquela rua escura, foi o nosso primeiro beijo. O jogo havia acabado. Não havia mais uma presa que hesitaria em se entregar e não haveria um garoto idiota e romântico que esperaria se sentir seguro com ele. Mas ele, obviamente, não sabia disso. Foi carinhoso, não avançou nenhum sinal e me deu a segurança que eu não precisava mais. O seu beijo tinha um desejo reprimido, uma vontade de se entregar. Trazia a intensidade de todos os anos em que ele havia escondido o seu verdadeiro eu e todos os anos em que ele haveria de escondê-lo. Ou não...
Passamos a nos encontrar todos os dias depois da aula. Comecei a desvendá-lo, descobrir todos os seus gostos e desgostos, todos os seus interesses, todos os seus sonhos. E, o garoto popular, não era o que parecia ser. Ele também tinha um coração. “Um coração mais puro do que era o meu...”, era o que o meu coração ferido dizia, nos momentos em que eu me permitia ouvi-lo. Era tão fácil fazê-lo sorrir e mais fácil ainda deixá-lo triste. “Mais fácil ainda será fazê-lo apaixonar por mim...”. Gostávamos das mesmas músicas, nos emocionávamos com os mesmos poemas e contávamos as mesmas piadas, as que nós dois já sabíamos. Ele morava com sua avó. Os dois, sozinhos.
- Se você for lá ela nem vai reparar que...
Ele se envergonhava e não completava a frase.
- Eu não me importo. Pode falar.
E eu forçava um sorriso. Ele sentia-se acolhido. E me abraçava.
- É por isso que gosto tanto de você. Você me entende! As pessoas não entenderiam, você sabe. Qualquer dia você pode ir à minha casa. Peço para minha avó preparar uns biscoitos. O que você acha?
- Se não for incômodo...
Essa era a minha frase. “Se não for incômodo...”. Se eu não sujar a sua reputação, se eu não fizer nada pra ele ser descoberto, humilhado, feito de brinquedo como eu havia sido. E aos poucos íamos transpondo os limites. Ele, é claro, estava sendo cada vez mais imprudente. Eu sempre mostrava os riscos, mas ele insistia. Voltamos a conversar por mensagens. É claro que as minhas mensagens ficavam em uma pasta confidencial, com senha. E, obviamente, eu sabia qual era essa senha. “TurningTables”, a nossa música preferida. Reviravoltas. É... A NOSSA música!
Foi por mensagem que ele disse o primeiro “Eu te amo” e, com o tempo, eles não pararam de ser falados. Ele foi se tornando aquele garoto que eu era. Tímido, romântico e sentimental. Sorria sempre que me via, às vezes ficava me olhando, me observando e não reparava que havia outras pessoas em volta. Foi nessa época que meu coração começou a descongelar. Eu voltava a amar ele, aos poucos. “Você tem de perdoá-lo. Ele não fez por mal!”. Mas... E tudo que eu havia passado? Todos os apelidos, todas as piadas, todas as humilhações? Isso será que não valia? “Isso te deixou mais forte! E preparado para amá-lo!”.
Mas eu recusava a ouvir meu coração e meu plano estava dando cada vez mais certo. E então dei o primeiro passo para a vingança. E o seu “melhor amigo” foi o primeiro que comecei a mandar mensagens. Fui zoado por muitos dias, mas coloquei uma ideia em sua cabeça. “Tem uma pasta no celular do seu “melhor amigo” com msgs minhas ou vc acha mesmo q so eu q sou a mocinha?”. Essa mensagem foi a primeira vitória. Ele ficou interessado. “A senha eh TurningTables!”. E então ele pegou o celular e leu. Todas as mensagens. Todos os eu te amos que ele me mandava e a maioria que eu não respondia. Tudo tão devidamente calculado. As minhas mensagens monossilábicas e as mensagens que mais pareciam textos que o meu “amado” me mandava durante as madrugadas. Todas as mensagens. Das mais românticas às mais depravadas. Tudo guardado, as minhas e as dele. “Guarde as suas também, meu amor!” E ele guardou.
O seu “melhor amigo” deixou de ser após saber tudo. E a escola inteira também ficou sabendo. Meu nome já estava sujo, já havia sido fofoca por meses. Ninguém se importava com o fato de eu estar envolvido naquilo. “Não acredito! Mas eu era louca com ele. A minha amiga já ficou com ele. Aliás, não só uma...”. Era o que todas as garotas falavam. E os garotos lamentavam por terem sido amigo de “uma mocinha” por tanto tempo. E eu? Eu estava entre o coração e a razão, apesar de as duas dizerem que eu estava errado. Algo em mim queria vingança e, agora que eu havia feito, eu me sentia mal. O coração era o que mais gritava.
Então ele me procurou. Estava em lágrimas. Mas ele não me culpou. Ele disse que havia merecido tudo isso. Ele disse que me amava muito ainda. Disse que não guardava mágoas de mim. Disse também que a sua avó já sabia de tudo e que havia aceitado numa boa. Eu fiquei desarmado. Não era isso que eu esperava. Eu queria que ele sofresse, queria que ele se sentisse sozinho, como eu havia sentido. Eu queria que ele tivesse de chorar abraçado ao travesseiro, porque ninguém poderia acolhê-lo, entendê-lo, abraçá-lo.
- Quem sou eu pra você? O que eu significo na sua vida?
“É isso! Ele precisa de mim...”. Bastava apenas uma frase pra que ele se sentisse acolhido, pra que tudo isso acabasse. E bastava apenas uma palavra pra que ele se sentisse como eu havia me sentido, pra que sofresse tudo aquilo que eu havia sofrido.
Eu olhei em seus olhos e ele olhou nos meus. Eu estava indefeso. Ele viu tudo isso em meus olhos e então eu me lembrei daquela famosa frase: “os olhos são o espelho da alma”. Haviam sido. Os meus e os dele. Eu havia visto que ele não queria fazer aquilo que fez comigo. Mas ele não estava preparado. “Talvez tivesse de ser assim mesmo”. Eu, o garoto tímido, sentimental e romântico havia mostrado ser mais forte do que o garoto seguro de si, popular e desejado. Então, eu percebi que todo aquele ódio era um amor reprimido, um desejo incontrolável. Eu não queria vê-lo sofrer. Eu queria tê-lo pra mim. Eu queria que acontecesse isso que estava acontecendo. E meus olhos sabiam... Antes mesmo de eu dizer algo ele já estava sorrindo. Então eu o abracei. E lembrei-me de outra frase...
O coração tem razões que a própria razão desconhece.
O meu antigo eu não havia morrido. Havia apenas se aperfeiçoado.





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