Às vezes fico aqui filosofando nos meus momentos de solidão
ou mesmo nos momentos de tédio juvenil. Ser adolescente é foda! Toda aquela
coisa de hormônios, compromissos, relacionamentos faz com que a vida dê uma
volta de 360 graus. Mas tem coisas que só conseguimos avaliar melhor com a
idade, seja ela adolescência, fase adulta ou velhice. E uma dessas coisas é
compreender a nossa singularidade, a nossa diferença que muitas vezes é tida
como defeito.
Dizem que é na adolescência que começamos a criar os nossos
próprios valores, querido diário, e eu concordo inteiramente! E, sabe, eu fico
muito impressionado e também muito magoado com certas coisas que eu vejo por
aqui, por ali, acolá. Mulher se humilhando por causa de homem, apanhando,
perdendo a sua dignidade. Fico tão triste, principalmente quando isso acontece
com pessoas que são especiais para mim. Admiro as mulheres pela sua força e
pelo seu brilho, algo que não é só bom de admirar, uma coisa boa de sentir
também! E, por isso mesmo, quero que elas sejam tratadas com respeito e que o
exijam, que o procurem.
Situações de desrespeito e de humilhação também vivem os
nossos amigos negros. É um preconceito velado, uma coisa meio disfarçada, mas
que uma hora ou outra acaba sendo verbalizada. E eu fico tão irado, querido
diário! E isso sem contar o que devem passar os índios. Lembro do caso de um
deles que foi queimado. Sinceramente, não acho que raça ou sexo faça alguém ser
superior ao outro.
Pior então o que passam os meus amigos homossexuais ou os
que fogem do padrão da heterossexualidade. São humilhados por aqueles os quais
nos falam que são os nossos únicos amigos: os pais. Alguns ameaçam botar o
filho pra fora de casa, outros colocam mesmo. Alguns fazem o filho passar por
situações constrangedoras para que ele “vire macho”. Acredite se quiser,
querido diário, mas já tive um amigo que foi obrigado pelo pai a assistir
filmes pornográficos. Também há mães que acham que os filhos estão com algum
espírito maligno e levam-no para sessões de descarrego. E acabam todos meio que
acuados, sabe. Sem ter para onde ir, sem ter alguém para abraçar e dizer “não
se preocupe, está tudo bem. Nós te aceitamos do jeitinho que você é”. É triste,
mas é a realidade.
E, me diz querido diário, o que seria de um mundo sem
diferenças? O que seria de um mundo condenado à mesmice, à padronização. Como
seria um mundo igual? É o que eu fico imaginando às vezes.
Imagine, querido diário, um mundo onde todos fossem iguais.
Um mundo onde todos pensassem igual, vestissem as mesmas roupas e se interessassem
pelos mesmos assuntos. Um mundo onde orassem para um mesmo Deus, onde não
existissem raças, pois a cor de pele seria igual para todos. Um mundo sem sexo,
sem gênero, sem “opção sexual”. Um mundo com os mesmos gostos e pensamentos.
Vamos imaginar, querido diário, que nesse mundo todos
acreditem em astrologia. Mas acho que a astrologia não seria algo muito
lucrativo, pois todos iriam se interessar e pesquisar sobre a mesma. Não seriam
necessárias consultas astrológicas. Todos teriam um livro de astrologia em sua
casa e leriam seus horóscopos no começo do dia. E todos teriam as mesmas
previsões, os mesmos signos, os mesmos planetas nas mesmas casas astrais. E
ninguém seria Aquário, o Revolucionário. Ninguém seria Virgem, o
Perfeccionista. Talvez todos fossem Piscianos Sonhadores, acreditando em
misticismo e em destino, mesmo sendo esse o mesmo para todos.
Imaginemos que nesse mundo todos se amassem e nele o amor
perderia toda a sua beleza, pois todos teriam os mesmos pensamentos, as mesmas
ações, as mesmas crenças e religiões, a mesma cor de pele... E o mesmo sexo!
Seriam todos homossexuais. E nesse mundo a homossexualidade não seria um desvio
do padrão. Seria a normalidade. Seria, então, uma norma? E se fosse como se
chamaria? “Homonormatividade”?
Porém assim como num mundo onde só existissem mulheres, ou
somente homens, apesar dos homossexuais terem de ser algum dos dois, nesse
mundo não existiria reprodução. Esse mundo seria um mundo fadado a destruição.
E com todo mundo pensando igual, ninguém iria ter a ideia extraordinária da
criação de clones. Ou alguma outra ideia, ideia essa que nunca iria nascer em
um mundo padronizado.
Um mundo, quem sabe, onde todos não acreditassem em Deus. E,
consequentemente, nesse mundo Deus não existiria. E Deus não conseguiria fazer
milagres nem aparições para convencer as pessoas de sua existência já que as
pessoas não iriam mudar, iriam continuar nas mesmas ideias sempre e sempre em
função de sua igualdade. E o pôr-do-sol seria explicado por alguma teoria
científica, ou melhor, não seria explicado. Em um mundo onde não há
originalidade e oposição, não há avanço e Ciência é avanço, é tecnologia. Acho
até que nesses mundos que acabei criando as pessoas não pensariam. Porque
pensar é se destacar entre a multidão através da mente e essas pessoas não se
destacam. Todas pensam igual, fazem igual. São máquinas humanas que nunca vão
entender o porquê de sua existência ou suas funções.
E nesse mundo não seriam necessários cremes diferenciados
para cabelos oleosos ou para cabelos secos e danificados. Todos teriam o mesmo
tipo de cabelo e usariam o mesmo creme, o mesmo xampu, o mesmo condicionador.
Não seriam necessárias cotas para pessoas negras e nem passeatas pela criação
de uma lei contra a homofobia. As paralisações pela igualdade dos salários
seriam mitos e as favelas, nas quais as pessoas acabam não tendo oportunidades,
seriam histórias pra boi dormir. Nesse mundo todos teriam oportunidades, sempre
as mesmas e acabariam as executando da mesma forma. Um mundo fadado a mesmice e
à eternidade monótona. Um lugar onde ninguém se destacaria e a diferença fosse
uma palavra que ninguém conseguisse entender. Um lugar onde não existiriam
classe A, classe B e classe C. A palavra pobreza não existiria no dicionário, e
muito menos a palavra riqueza. Não seriam necessárias rampas para deficientes
físicos, legendas para deficientes auditivos e cães para guiar os deficientes
visuais.
Chato, muito chato esse mundo! E é pensando nele que eu vou
chegando à conclusão de que o NOSSO mundo ainda tem jeito. O nosso mundo é
perfeito, com todas as suas imperfeições, com todas as suas diferenças. Aqui
deixo claro que sou a favor da diferença e não da desigualdade. Sou a favor dos
diferentes pensamentos, das diferentes doutrinas, das diferentes ciências e a
liberdade de expressão para falar de todas elas. Sou a favor do homem e sou a
favor da mulher, da união, paz e igualdade entre eles. E, se o amor assim
mandar, o homem amar o outro homem, a mulher amar a outra mulher ou quem
quiser. Sou contra todas as barreiras impostas ao amor em suas diferentes
formas. Sou eu o escravo negro lutador, o índio amante das florestas, os
europeus visitantes e também o português invasor, destruidor e construtor dessa
nação meio às avessas. Por que e pra que me ater a uma só raça? Por que e pra
que julgar o diferente, se ninguém é igual a ninguém?
Quando eu morrer, querido diário, quero ser lembrado como
alguém que lutou contra os padrões e preconceitos. Alguém que teve amigos de
todas as raças, que amou e respeitou homens e mulheres, que teve amigos com
sexualidade das mais comuns até as mais exóticas. Quero ser lembrado como
alguém que foi diferente porque ser igual não tá com nada!
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