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28 de setembro de 2012

Entre Lobos - Parte III




Mas tudo tem um limite e eu havia chegado ao meu. Eu me rebelei em uma noite. Foi noite de Lua Cheia. Claro que não era coincidência. Noites de Lua Cheia são as noites em que fico mais carente por amor, as noites em que tenho mais sede de amar e ser amado. E ser um pedaço de carne que é usada por todos não é amor. Nunca vai ser. Foi numa noite de Lua Cheia que eu me revoltei e gritei para todos da matilha ouvir.
                - Eu não aguento mais. Escutem quem quiserem ouvir. EU NÃO AGUENTO MAIS! Sim, estou gritando. Para que todos ouçam, para que todos me apedrejem depois, se quiserem. Que me batam, que falem mal, que me zombem, que me humilhem. QUE ME MATEM. Mas vocês vão me ouvir!
                Todos se calaram e me olharam, atentos. Ainda eram olhos de lobos. Mas eram lobos assustados. Estavam atentos. Continuei.
                - Vocês são um bando de lobos. Mas, ao mesmo tempo, vocês não passam de pedaços de carne. São lobos, pois ficam disputando pedaços de carne uns com os outros. Mas são pedaços de carne para lobos. Não passam disso. Vocês apedrejam todos aqueles que se amam porque são covardes. Têm medo de não serem amados. Têm medo de ficar à mercê de alguém. Têm medo de se entregar. Ser um lobo que come todo e qualquer pedaço de carne é fácil. Ser um pedaço de carne para todo e qualquer lobo é fácil. Quero ver se envolver com alguém, admirar as suas qualidades, aturar e tentar ajudar a diminuir seus defeitos e manias. Quero ver se encantar e se perder por alguém. Lutar contra o tempo, para que a relação não caia na rotina. Lutar contra si mesmo, para que você seja sempre o melhor para essa pessoa. Não, vocês são covardes!
                Eu esperei vaias, gritos. Esperei tapas, socos e murros. Mas tudo que recebi foi olhares atentos. E não eram mais olhares de lobos. Eram apenas olhares de garotos. Garotos que percebiam o quão idiotas haviam sido. Garotos carentes e cansados de serem apenas pedaços de carne e lobos. Garotos arrependidos. E, dentre esses olhares, havia apenas um que me deixava sem jeito. O olhar de admiração de Gabriel. E o seu sorriso, tão perfeito.
                - Ele tem razão!
                - Já estou cansado de ser um pedaço de carne!
                - Eu também!
                - Eu também!
                - E eu também! Eu quero alguém que goste de mim, realmente. Mas eu sempre tive medo de ser condenado por isso!
                - Eu também!
                Os gritos iam se multiplicando. Mas uma pessoa continuava com olhos de lobo. Olhos de lobo traído. Olhos de lobo furioso. Olhos de lobo líder, que tem a obrigação de voltar a demarcar território.
                - São mesmo um bando de covardes! Quem se importa com esse papo idiota sobre amor? Quem se importa com amor? Aliás, quem de vocês realmente sabe o que é amor? Amor machuca. Amor fere. Amor deixa feridas. Ninguém precisa de mais feridas. Ninguém precisa ficar se humilhando por outra pessoa, para ser deixado de lado. Ninguém precisa se dedicar à outra pessoa e depois não ser valorizado. Amor é isso... Apenas isso! Sexo não. No sexo os dois sempre dividem. No sexo os dois se unem. Os dois se tornam um só. No amor você nunca será totalmente correspondido.
                Nesse instante os olhos de lobo sumiram. Estava tudo explicado, finalmente. João era apenas um garoto ferido pelo amor e, por isso, havia se tornado um lobo. Ele apenas precisava curar as suas feridas. E, se tornando um lobo caçador de carne, ele não iria conseguir isso. Mas o importante era que todos entenderam. Foram todos saindo da sala até restar eu, Gabriel e o João.
                - Vamos, Artur! – me chamou Gabriel, sorrindo.
                - Pode ir. Eu preciso conversar uma coisa com o nosso amigo João.
                Ele balançou a cabeça, em sinal de afirmação, e saiu.
                - João, não fique assim. Só porque uma vez não deu certo não quer dizer que não irá dar certo novamente.
                Ele olhou pra mim e abaixou a cabeça. Estava chorando.
                - Eu o amava tanto, Artur. Assim como você ama Gabriel. Mas eu não era amado. Fazia tudo por ele. Tudo mesmo. Mas eu era invisível pra ele. Mas os outros gostavam de mim. Do meu corpo. De usar o meu corpo. E então, um dia eu desisti. Desisti dele. Desisti de mim mesmo e me entreguei aos outros. Fui fundando o nosso grupo. Fui me tornando um lobo, como você disse. Mas eu nunca o esqueci. Nunca vou esquecer...
                - Quem é, João?
                Ele apertou as mãos, levantou a cabeça e me olhou nos olhos.
                - Você!

*  *  *

                Depois de algum tempo as coisas voltaram ao normal. Os grupos pararam de se reunir. Os garotos começaram a se amar. Eu consegui me perdoar por ter sido o estopim de tantas crueldades. Com o tempo parei de me perguntar como seria se eu tivesse sido mais atencioso com João, se tivesse desconfiado que ele me amava.  Quanto ao Gabriel... Bem, eu ainda enfrento o tempo para que a nossa relação não caia na rotina. E, depois de viver entre lobos, a relação sempre se fortalece. E a gente aprende que nunca devemos nos tratar como pedaços de carne e muito menos sermos lobos devoradores.





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