Eu fui me afastando, afastando até bater minhas costas na
parede. E, vendo Saulo se aproximar, comecei a observá-lo mais detalhadamente.
Seus olhos azuis eram o único ponto do seu corpo que irradiava calma e paz e
eram eles que me faziam ficar imóvel, desejando que ele fizesse o que queria.
Seus cabelos negros, rebeldes, combinavam perfeitamente com seu rosto. Aliás, a
rebeldia do seu cabelo combinava perfeitamente com a aura de agitação que ele
emitia. Usava brincos, tinha várias tatuagens espalhadas pelo corpo e usava
vários colares e brincos. Tudo que um cara pacato e certinho como eu nunca
faria. Ou talvez que não tivesse coragem de fazer. E, esperando a sua crescente
aproximação, fiquei me perguntando por que não.
Ele vinha se aproximando cada vez mais e seu perfume começou
a embriagar-me. Era um cheiro diferente dos perfumes delicados e suaves dos
quais eu estava acostumado. Era um odor selvagem, mas que não deixava de ser
agradável. E, talvez pelo seu cheiro selvagem, talvez por aquele corpo rebelde e
forte, talvez por saber que mesmo em meio a toda essa selvageria ainda tinha
aqueles olhos azuis, calmos, pacatos, talvez por tudo isso junto que eu tenha
ficado parado, estagnado naquela parede. Ele se aproximou como um animal se
aproxima de sua presa. Pegou meus braços com força e me encostou mais ainda à
parede. E, mesmo violentamente, eu podia sentir que ele estava sendo carinhoso
comigo. Senti todo o seu corpo junto a mim quando ele me puxou mais pra perto e
meu corpo todo tremeu. Ele me olhou nos olhos e sorriu e, nesse momento, todos
os meus medos foram embora. Nesse momento soube que, com ele, eu podia
arriscar, eu podia jogar tudo pro ar, pois ele sempre estaria ali, para me
proteger com seus abraços sufocantes.
Ele colocou uma mão em meu pescoço e a outra em minha
cintura e então ele fez. Aquele beijo... Dizem que a primeira vez a gente nunca
esquece. Não me lembro bem do meu primeiro beijo. Ele ficou esquecido na
bagunça que foi o meu passado, mas aquele beijo... Aquele foi o meu primeiro
beijo. Aquele era o beijo que eu estava esperando por todos os dias da minha
vida. Lentamente, vagarosamente, beijando e sendo beijado, mas também tocado
por aquela mão quente, forte e carinhosa. Os nossos corpos se uniam, parecendo
que já se conheciam há tempos. E eu, pensando que ele ia além, talvez desejando
que ele fosse, mas foi só esse beijo. E foi suficiente pra eu me apaixonar por
ele.
Saulo se afastou, lentamente, mas eu o puxei de volta e o
beijei. Não poderia ter deixado que apenas ele me beijasse. Não, ele também
tinha que ser beijado. Mas o meu beijo foi calmo, pacato. Eu coloquei a minha
alma naquele beijo como que para mostrar a ele que, depois de se aventurar, eu
poderia ser o seu porto seguro. E ele gostou, pois seu corpo todo enrijeceu ao
meu contato.
Desfizemo-nos do abraço e ele me convidou para ir até o seu
quarto. Seu quarto era a sua cara. Pra mim, um símbolo musical de rebeldia
sempre foi rock e ele tinha uma linda guitarra, com vários adesivos de “I Love
Rock’n Roll”, “Rock na Veia” e muitos outros. Tinha um skate branco. Dos tempos
de adolescente, disse ele. Várias fotos com cantores, escritores e gente
famosa, todas autografadas. Uma de suas estantes era repleta de cartas de
ex-namorados e paqueras. Confesso que fiquei com uma pontadinha de ciúme, mas
quando ele me pegou lendo as cartas ele tirou todas elas da minha mão e
guardou.
- Deixemos o passado onde ele não deve sair. – disse ele,
sorrindo, e me beijou. – Agora eu gostaria de propor um passeio diferente. Você
topa?
- Com você eu topo tudo! – respondo, sorrindo.
- Cuidado! Costumo propor fazer sexo e depois matar meus
parceiros! – disse ele, sério.
Olhei assustado para ele e ele soltou uma gargalhada.
Abraçou-me e disse:
- Calma! Minha avó me mataria se eu fizesse isso e eu gosto
de manter a aparência de bom neto. O programa de hoje é calmo. Vamos apenas dar
uma volta de moto. Topa?
- Você tem moto?
- Você não viu a Potente lá embaixo?
Quando me vi já estava na garupa daquela moto enorme,
segurando-me na cintura do Saulo, sentindo o vento passando veloz pelos nossos
rostos, pelos nossos corpos. Eu estava vivendo um sonho. E tudo estava tão
perfeito, tão milimetricamente perfeito, que só podia ser mesmo um sonho. Ou
talvez não. Eu estava tão acostumado à realidade que, de tão real, às vezes me
permitia que a tocasse. Estava tão acostumado ao real que o surreal me parecia
um sonho. E, ali, estando abraçado a um cara que havia conhecido no dia
anterior, pensei em tudo que eu sabia sobre o amor. Alguns beijos ali, alguns
abraços acolá. Mas nunca foi nada intenso. Intenso, era essa a palavra! Era
isso que eu queria, era isso que eu esperava. Algo que me deixasse,
literalmente, entontecido. Alguém que me deixasse entontecido devido à sua
profundidade, devido à sua intensidade. Mas nunca houve ninguém assim. Foram só
caras fúteis, que só queriam curtir. E, mesmo os que não queriam curtir, eram
por demais românticos, aquele romance açucarado. Não, eu não queria apenas
romance. Eu queria intensidade. E Saulo era intenso em tudo que fazia comigo. Era
tão surreal que eu não sabia quanto tempo poderia durar. E isso era o mais
excitante...
Percorremos diversas estradas, das quais muitas eu nunca
havia visitado. Paramos em uma lagoa linda. Carinhosamente ele me desceu da
moto e me abraçou. Nunca me senti mais seguro do que agora, no calor do seu
abraço.
- Olhe a Lua! Tão linda, tão misteriosa e tão instável. Hoje
ela está cheia, mas ela nem sempre é assim. – disse Saulo, tão poético e
romântico, mas seu abraço forte a me lembrar a intensidade. – Nós somos como a
Lua, Rafa. Nós somos perfeitos, misteriosos e instáveis. O que somos ontem não
é o que seremos amanhã. Estamos em constante mudança.
Eu queria discordar, pois eu era Rafael, o carinha pacato
que trabalha na Livraria e Cafeteria Expresso Quente. O carinha pacato que
chegava e saia todos os dias na mesma hora e ia para o mesmo lugar. O carinha
calmo, que buscava paz e tranqüilidade. Mas, pensei comigo, não estava eu,
agora, fugindo da minha rotina? Indo para um lugar completamente estranho, com
um cara que eu não sabia praticamente nada? Fazendo uma coisa que eu não
considerava nem um pouco prática e, por isso, não muito digna de ser feita:
observar a Lua Cheia? Sim, estava fazendo todas essas coisas estranhas, mas
nunca, em toda a minha vida, eu me senti mais seguro. Percebi então que foi na
instabilidade de um dia maluco que eu achei algo que eu procurava na rotina: a
segurança. Sim, eu era misterioso e instável, mas não exteriorizava as minhas
instabilidades com medo de perder a minha segurança, com medo de perder o que
era seguro.
Saulo começou a acariciar o meu corpo lentamente e
carinhosamente. Suas mãos iam percorrendo a minha barriga, subindo para os meus
braços e pararam no meu pescoço. Eu me virei, então. Ele olhou no fundo dos
meus olhos e sorriu.
- Eu te amo! – disse, e acariciou meu rosto.
- Eu também te amo! Não sei como, nem por que. E, mesmo
sendo tão sem sentido, eu me entrego a você.
- O amor não precisa de explicações. Só precisa de um
caçador... E de uma presa! – disse, com seu sorriso malicioso.
Então me abraçou e me beijou de novo. O toque de nossos
lábios arrepiou os nossos corpos e os enrijeceu. Ele, sem se desprender de mim,
me guiou até uma árvore. Começamos a viagem. Nossas mãos percorriam os nossos
corpos, famintas e curiosas. Saulo me apertava contra a árvore cada vez mais e
a minha respiração ia ficando ofegante. Começamos a suar. Saulo foi tirando a
minha camisa, lentamente, enquanto seus dedos percorriam o meu corpo suado. Sua
boca beijou a minha boca e foi em direção ao meu pescoço. Gemendo, fui tirando
a sua camisa, já molhada pelo suor. Aos poucos as nossas roupas foram virando
um amontoado de trapos na grama verde perto da lagoa e, já nus, pulamos nela.
Submersos, procuramos um ao outro e os nossos corpos famintos se encontraram
dentro da água. Já não precisávamos das mãos para percorrer os corpos. Nossos
corpos já se sentiam, se esfregavam, se beijavam na sofreguidão do nosso amor.
Saímos da lagoa e, ali mesmo, na grama verde, fizemos amor à luz da Lua Cheia.
No final, ele me abraçou. Eu me deitei em seu ombro e
escutei as batidas do seu coração. Olhei para ele e sorri. Ele retribui meu
sorriso, o primeiro sorriso sem malícia, um sorriso sincero de amor. Eu voltei
a me deitar e ele começou a acariciar meu cabelo. Nus, unidos, olhando a luz da
Lua Cheia.
- Você acredita em amor à primeira vista, Rafa? – perguntou
ele, pensativo.
- Não. Mas eu acredito em atração ao primeiro sorriso.
Sorriso malicioso de um amor sem malícias.
- Talvez eu quisesse apenas te levar para a cama... Ainda
não sei. Mas o seu beijo me deu tanta segurança, como se você estivesse dando a
entender que seria meu porto seguro depois de todas as minhas aventuras.
- Talvez... Talvez seja realmente assim. – disse eu,
sorrindo maliciosamente.
Essa foi a nossa primeira noite. E a primeira vez é
inesquecível. O primeiro beijo, a primeira noite de amor, a primeira
declaração. Tem gente que vive esperando por um grande amor como nos cinemas.
Nunca é igual. Ele nunca é do jeito que você espera e ele nunca vem quando você
acha que precisa. Ele não vai parecer com você, ele vai ser o seu total oposto.
Mas ele irá te ensinar a amar. Ele irá te beijar e, nesses momentos, você
esquecerá o mundo. Você pensará que está vivendo um sonho, mas não é. É amor! Por
isso não perca a oportunidade quando surgir alguém que dê aquele sorriso
malicioso. Pode ser “aquela” pessoa.
Eu não sei como se deve começar uma história de amor. Mas eu
sei como são todas elas em sua essência. São intensas. Então não aceite alguém
que apenas te ame. Queira alguém que vire o seu mundo de cabeça para baixo.
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