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10 de dezembro de 2011

Um sonho intenso de amor - Parte II



Eu fui me afastando, afastando até bater minhas costas na parede. E, vendo Saulo se aproximar, comecei a observá-lo mais detalhadamente. Seus olhos azuis eram o único ponto do seu corpo que irradiava calma e paz e eram eles que me faziam ficar imóvel, desejando que ele fizesse o que queria. Seus cabelos negros, rebeldes, combinavam perfeitamente com seu rosto. Aliás, a rebeldia do seu cabelo combinava perfeitamente com a aura de agitação que ele emitia. Usava brincos, tinha várias tatuagens espalhadas pelo corpo e usava vários colares e brincos. Tudo que um cara pacato e certinho como eu nunca faria. Ou talvez que não tivesse coragem de fazer. E, esperando a sua crescente aproximação, fiquei me perguntando por que não.
Ele vinha se aproximando cada vez mais e seu perfume começou a embriagar-me. Era um cheiro diferente dos perfumes delicados e suaves dos quais eu estava acostumado. Era um odor selvagem, mas que não deixava de ser agradável. E, talvez pelo seu cheiro selvagem, talvez por aquele corpo rebelde e forte, talvez por saber que mesmo em meio a toda essa selvageria ainda tinha aqueles olhos azuis, calmos, pacatos, talvez por tudo isso junto que eu tenha ficado parado, estagnado naquela parede. Ele se aproximou como um animal se aproxima de sua presa. Pegou meus braços com força e me encostou mais ainda à parede. E, mesmo violentamente, eu podia sentir que ele estava sendo carinhoso comigo. Senti todo o seu corpo junto a mim quando ele me puxou mais pra perto e meu corpo todo tremeu. Ele me olhou nos olhos e sorriu e, nesse momento, todos os meus medos foram embora. Nesse momento soube que, com ele, eu podia arriscar, eu podia jogar tudo pro ar, pois ele sempre estaria ali, para me proteger com seus abraços sufocantes.
Ele colocou uma mão em meu pescoço e a outra em minha cintura e então ele fez. Aquele beijo... Dizem que a primeira vez a gente nunca esquece. Não me lembro bem do meu primeiro beijo. Ele ficou esquecido na bagunça que foi o meu passado, mas aquele beijo... Aquele foi o meu primeiro beijo. Aquele era o beijo que eu estava esperando por todos os dias da minha vida. Lentamente, vagarosamente, beijando e sendo beijado, mas também tocado por aquela mão quente, forte e carinhosa. Os nossos corpos se uniam, parecendo que já se conheciam há tempos. E eu, pensando que ele ia além, talvez desejando que ele fosse, mas foi só esse beijo. E foi suficiente pra eu me apaixonar por ele.
Saulo se afastou, lentamente, mas eu o puxei de volta e o beijei. Não poderia ter deixado que apenas ele me beijasse. Não, ele também tinha que ser beijado. Mas o meu beijo foi calmo, pacato. Eu coloquei a minha alma naquele beijo como que para mostrar a ele que, depois de se aventurar, eu poderia ser o seu porto seguro. E ele gostou, pois seu corpo todo enrijeceu ao meu contato.
Desfizemo-nos do abraço e ele me convidou para ir até o seu quarto. Seu quarto era a sua cara. Pra mim, um símbolo musical de rebeldia sempre foi rock e ele tinha uma linda guitarra, com vários adesivos de “I Love Rock’n Roll”, “Rock na Veia” e muitos outros. Tinha um skate branco. Dos tempos de adolescente, disse ele. Várias fotos com cantores, escritores e gente famosa, todas autografadas. Uma de suas estantes era repleta de cartas de ex-namorados e paqueras. Confesso que fiquei com uma pontadinha de ciúme, mas quando ele me pegou lendo as cartas ele tirou todas elas da minha mão e guardou.
- Deixemos o passado onde ele não deve sair. – disse ele, sorrindo, e me beijou. – Agora eu gostaria de propor um passeio diferente. Você topa?
- Com você eu topo tudo! – respondo, sorrindo.
- Cuidado! Costumo propor fazer sexo e depois matar meus parceiros! – disse ele, sério.
Olhei assustado para ele e ele soltou uma gargalhada. Abraçou-me e disse:
- Calma! Minha avó me mataria se eu fizesse isso e eu gosto de manter a aparência de bom neto. O programa de hoje é calmo. Vamos apenas dar uma volta de moto. Topa?
 - Você tem moto?
- Você não viu a Potente lá embaixo?
Quando me vi já estava na garupa daquela moto enorme, segurando-me na cintura do Saulo, sentindo o vento passando veloz pelos nossos rostos, pelos nossos corpos. Eu estava vivendo um sonho. E tudo estava tão perfeito, tão milimetricamente perfeito, que só podia ser mesmo um sonho. Ou talvez não. Eu estava tão acostumado à realidade que, de tão real, às vezes me permitia que a tocasse. Estava tão acostumado ao real que o surreal me parecia um sonho. E, ali, estando abraçado a um cara que havia conhecido no dia anterior, pensei em tudo que eu sabia sobre o amor. Alguns beijos ali, alguns abraços acolá. Mas nunca foi nada intenso. Intenso, era essa a palavra! Era isso que eu queria, era isso que eu esperava. Algo que me deixasse, literalmente, entontecido. Alguém que me deixasse entontecido devido à sua profundidade, devido à sua intensidade. Mas nunca houve ninguém assim. Foram só caras fúteis, que só queriam curtir. E, mesmo os que não queriam curtir, eram por demais românticos, aquele romance açucarado. Não, eu não queria apenas romance. Eu queria intensidade. E Saulo era intenso em tudo que fazia comigo. Era tão surreal que eu não sabia quanto tempo poderia durar. E isso era o mais excitante...
Percorremos diversas estradas, das quais muitas eu nunca havia visitado. Paramos em uma lagoa linda. Carinhosamente ele me desceu da moto e me abraçou. Nunca me senti mais seguro do que agora, no calor do seu abraço.
- Olhe a Lua! Tão linda, tão misteriosa e tão instável. Hoje ela está cheia, mas ela nem sempre é assim. – disse Saulo, tão poético e romântico, mas seu abraço forte a me lembrar a intensidade. – Nós somos como a Lua, Rafa. Nós somos perfeitos, misteriosos e instáveis. O que somos ontem não é o que seremos amanhã. Estamos em constante mudança.
Eu queria discordar, pois eu era Rafael, o carinha pacato que trabalha na Livraria e Cafeteria Expresso Quente. O carinha pacato que chegava e saia todos os dias na mesma hora e ia para o mesmo lugar. O carinha calmo, que buscava paz e tranqüilidade. Mas, pensei comigo, não estava eu, agora, fugindo da minha rotina? Indo para um lugar completamente estranho, com um cara que eu não sabia praticamente nada? Fazendo uma coisa que eu não considerava nem um pouco prática e, por isso, não muito digna de ser feita: observar a Lua Cheia? Sim, estava fazendo todas essas coisas estranhas, mas nunca, em toda a minha vida, eu me senti mais seguro. Percebi então que foi na instabilidade de um dia maluco que eu achei algo que eu procurava na rotina: a segurança. Sim, eu era misterioso e instável, mas não exteriorizava as minhas instabilidades com medo de perder a minha segurança, com medo de perder o que era seguro.
Saulo começou a acariciar o meu corpo lentamente e carinhosamente. Suas mãos iam percorrendo a minha barriga, subindo para os meus braços e pararam no meu pescoço. Eu me virei, então. Ele olhou no fundo dos meus olhos e sorriu.
- Eu te amo! – disse, e acariciou meu rosto.
- Eu também te amo! Não sei como, nem por que. E, mesmo sendo tão sem sentido, eu me entrego a você.    
- O amor não precisa de explicações. Só precisa de um caçador... E de uma presa! – disse, com seu sorriso malicioso.
Então me abraçou e me beijou de novo. O toque de nossos lábios arrepiou os nossos corpos e os enrijeceu. Ele, sem se desprender de mim, me guiou até uma árvore. Começamos a viagem. Nossas mãos percorriam os nossos corpos, famintas e curiosas. Saulo me apertava contra a árvore cada vez mais e a minha respiração ia ficando ofegante. Começamos a suar. Saulo foi tirando a minha camisa, lentamente, enquanto seus dedos percorriam o meu corpo suado. Sua boca beijou a minha boca e foi em direção ao meu pescoço. Gemendo, fui tirando a sua camisa, já molhada pelo suor. Aos poucos as nossas roupas foram virando um amontoado de trapos na grama verde perto da lagoa e, já nus, pulamos nela. Submersos, procuramos um ao outro e os nossos corpos famintos se encontraram dentro da água. Já não precisávamos das mãos para percorrer os corpos. Nossos corpos já se sentiam, se esfregavam, se beijavam na sofreguidão do nosso amor. Saímos da lagoa e, ali mesmo, na grama verde, fizemos amor à luz da Lua Cheia.
No final, ele me abraçou. Eu me deitei em seu ombro e escutei as batidas do seu coração. Olhei para ele e sorri. Ele retribui meu sorriso, o primeiro sorriso sem malícia, um sorriso sincero de amor. Eu voltei a me deitar e ele começou a acariciar meu cabelo. Nus, unidos, olhando a luz da Lua Cheia.
- Você acredita em amor à primeira vista, Rafa? – perguntou ele, pensativo.
- Não. Mas eu acredito em atração ao primeiro sorriso. Sorriso malicioso de um amor sem malícias.
- Talvez eu quisesse apenas te levar para a cama... Ainda não sei. Mas o seu beijo me deu tanta segurança, como se você estivesse dando a entender que seria meu porto seguro depois de todas as minhas aventuras.
- Talvez... Talvez seja realmente assim. – disse eu, sorrindo maliciosamente.
Essa foi a nossa primeira noite. E a primeira vez é inesquecível. O primeiro beijo, a primeira noite de amor, a primeira declaração. Tem gente que vive esperando por um grande amor como nos cinemas. Nunca é igual. Ele nunca é do jeito que você espera e ele nunca vem quando você acha que precisa. Ele não vai parecer com você, ele vai ser o seu total oposto. Mas ele irá te ensinar a amar. Ele irá te beijar e, nesses momentos, você esquecerá o mundo. Você pensará que está vivendo um sonho, mas não é. É amor! Por isso não perca a oportunidade quando surgir alguém que dê aquele sorriso malicioso. Pode ser “aquela” pessoa.
Eu não sei como se deve começar uma história de amor. Mas eu sei como são todas elas em sua essência. São intensas. Então não aceite alguém que apenas te ame. Queira alguém que vire o seu mundo de cabeça para baixo.


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